chave-fechadura

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Usurpar

Era meu, era meu, era meu. E roubou de mim. Tirou como se tira as tripas de um bicho morto, sem piedade. Afinal, ela não sente dor, não é? Está morta! Não sente nadinha! Veja, faça um corte aqui para ver se ela grita. Não sente dor alguma porque algum narcótico corre nas suas veias. Anestésico produzido por substâncias cerebrais. Produzido pelo próprio corpo em um processo de autodefesa. Por que continua me arrancando de mim? Se eu era inteira, se eu era bela e completa? Possuía o conforto no meu âmago, bebia água da fonte pura. Agora a água ficou turva, suja. Fragmentou-me em pontos ínfimos e insignificantes. Dispersos e perdidos. Esquartejou meus membros. Arrancou a minha voz direto da garganta e eu queria tanto cantar. Por que se eu podia cuidar muito melhor de tudo? Porque se eu sei que iria sentir de forma tão mais nobre o que eles sentem ao beber das minhas emoções. E riem. E brindam. Brindam ao regozijo que encontram quando bebem o sumo salgado de minha vida. E torcem como se torce um pano sujo. Extraem até a última gota para sugar como parasitas qualquer coisa que ainda resta. Verdadeiros assassinos. Eu sei que eles nunca vão sentir o que eu sentia. Mesmo estando acabada, violada, roubada, essa é a única coisa que me consola, mas no fim não sobra nada.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Canonização

Então Vic esteve perdida para se encontrar, do contrário não seria possível, não é mesmo? Deve-se estar perdido para se encontrar e basta se encontrar para se perder. Homens solitários vagam pela escuridão a pensar, que farei agora? E agora? E depois? E quando? E quem? Quem sois?
Talvez não soubessem as repostas, mas pensavam, não pensavam? Questionavam, não? Então, por que, Deus, se o mundo virou as costas para nós? Por que, Deus, viraste as costas para mim? E Deus nada respondia. Tem certeza de que ele está lá?- perguntou Ana a Vic, sempre em tom sarcástico. E Vic olhava para o céu, sem saber se estava a procurar alguma coisa ou se era porque gostava das estrelas. A minha vida tem trilha sonora, Ana. Consegue ouvir essa marcha tocando? É fúnebre? - perguntou Ana com um sorriso largo e zombador. Você é surda, Ana, surda de alma.
Ana saiu e bateu a porta com os olhos cheios d'água, ela dissera algo sobre sua alma. Alma era uma palavra forte demais para ser dita. Suas palavras são como agulhas que me atingem e adentram meu corpo, seu olhar é tão vazio e eu não suporto indiferenças.
Vic ficou a pensar. Estava agora tão mudada. Tantos anos se passaram e ninguém podia adivinhar, ninguém a tinha adivinhado, ninguém viu através dela como um fantasma. Um fantasma como aquele que apareceu no canto do quarto, tão grande e acuado. Um bicho sem pêlo e sem cor que tinha o olhar tão triste que dava pra sentir toda a infelicidade do mundo. Fiquei com pena dele (pena é um sentimento mesquinho?), mas também estava com medo e saí correndo. Ele deve ter ido embora também.
Como esperar a bondade? Como ser bom se existe o receio? Deus nunca me respondeu. E nem se eu perguntasse um milhão de vezes. Eu te vejo no espelho e digo sem me virar: todos querem ser alguém, mas acho impossível não ser alguém. Olhe para as coisas, entenda, toque, sinta. Diferencie as superfícies, as texturas. Use o que você tem. Exista e tenha a certeza de que é muito pequeno perto de tudo, que nem é preciso ser real e ter sentido, mas é o que é. Sem choro e sem discussão. Salve-te a ti mesmo, do mais triste fim.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Sala

É onde você enxerga coisas que não existem. Já sentiu o mundo assim, tão estranho?
Sentada no sofá, eu olho o tapete. Ele não tem razão de existir, ele não precisa estar ali. Sua função é unicamente estética (e isso é ruim?).
Olho para a lâmpada, ela me ofusca. Sem a luz que ela me oferece, estaria em plena treva.
Ouço aquelas notas. Por muitas vezes me fizeram chorar (será que alguém está chateado comigo?).
Sinto que magoei alguém, com minhas palavras quase sempre tão rudes.
Encaro a porta, na esperança de que algo apareça. Poderia ser qualquer coisa. Até quem sabe, um extraterrestre, um espírito, uma besta de sete cabeças, algum fruto de minha imaginação. A sombra e nada.
Um calafrio me percorre a espinha e tremo por alguns segundos. Não suporto o silêncio e certos sons me põem medo. Mas é um medo assim, de nada, um medo sem razão. É normal acontecer quando se está só, não é?
A luz ainda continua a me iluminar. Serei eu lâmpada ou tapete?
Sabe aquela música? Que faz assim: taaa- ra-ra-ra-ra-raaaa... Ela nunca mais vai sair de mim. É como escutar meu coração bater em uníssono com seus tambores, e sentir passos grandiosos, sentimentos grandiosos. Serei eu música ou silêncio?
Olho novamente para a porta, nossa visão nos prega peças. Principalmente em momentos de... Devo dizer? ...medo. Mas nada se encontra lá. Se te magoei, por favor me perdoe. E ninguém apareceu.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Agradecimentos

Mesmo quando a gente não merece, às vezes recebemos o reconhecimento, o privilégio de aproveitar os frutos de um serviço não feito.
Queria agradecer a gentileza do Lexotan e do Estranho Mundo de Jack de me indicar o Selo eu adoro teu blog, mostrando que mesmo não tendo atualizado por tanto tempo ainda lembram do chave-fechadura. Obrigada, meninas!
Como manda o manual, eu tenho que citar cinco coisas que gosto de fazer e indicar o selo para outros blogs.

Coisas:
1- Criar
2-Ler
3-Tocar instrumentos musicais
4-Comer brigadeiro em dia de chuva
5-Encontrar blogs legais de pessoas desconhecidas

Bom, os blogs indicados serão somente dois porque a maioria dos que eu acompanho já receberam o selo. Mas se o seu blog está ali no cantinho é porque eu adoro também!

Blogs:
1-Mente Estranha
2-Imaginação Grátis

Não se esqueçam de indicar para outros blogs e dizer as cinco coisas que gostam de fazer.

domingo, 31 de maio de 2009

Aqui

Agora eu me lembro porque saía daqui, porque não aguentava aqui, porque me revoltava aqui. Porque nesses instantes a minha vida resume-se em contar os minutos para o fim. Eu gostaria de tornar esse período melhor, e às vezes consigo torná-lo quase divertido, mas não. Em seguida os meus planos foram por água abaixo. A mesma coisa nunca muda - com mudar eu quero dizer, evoluir. E como poderia evoluir, com tantos retrocessos? Como poderia mudar com essas vidas estagnadas? Lembra daquele discurso que não é nem batido, mas esgarçado, furado e esfarrapado? De como é necessário livrar-se do senso comum e abrir a mente para novas idéias, perspectivas e visões de mundo? Esse papo de fugir do senso comum já foi tão usado que se tornou senso comum. E quanto a abrir a mente para novas idéias, só costumam dizer e nunca expor realmente, uma diferente forma de pensar. Mediocridade eu já tenho bastante, obrigada.
Mas tudo ia bem até as duas comadres iniciarem aquela conversa de canto de bar, de mesa de botequim ou de qualquer outro ambiente descontraído, que eu acordei e minha tolerância foi ficando escassa. Lembrei porque saía daqui, porque não aguentava aqui, porque me revoltava aqui.
De uma carteira dessas para uma mesa de bar eu fico com a segunda, afinal, nela as conversas são muito mais produtivas do que aqui, aqui, aqui. Aqui aonde deverei comparecer por mais alguns meses e ainda corro o risco de sair debatendo sobre a última edição da Veja e me achar o máximo.

Postagem escrita em 11 de fevereiro de 2009

sexta-feira, 6 de março de 2009

Às vezes eu olha para o teto e penso: " e se ele desabasse agora?"
Talvez fosse bom... As pessoas correriam desesperadas, gritando, e seriam soterradas pelos destroços. Os bombeiros viriam, procurariam sobreviventes, o fato viraria notícia e, se tivéssemos, sorte, alguma homenagem nos seria prestada.
Sim, talvez fosse bom se o teto desabasse... 

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Os nossos dias

Foi quando eu tive a certeza de algo. Eu nunca saberia quando nem por que, mas de qualquer maneira, eu pude chegar a uma conclusão sem premissas. Pensei: Se eu fechar os olhos por muito tempo e não dormir, talvez eu possa enxergar de verdade. Se eu tiver o conforto de um simples toque verdadeiro, as agulhas não poderão mais me ferir. Se eu pensar muito em uma coisa só. Se eu pensar nessa coisa com todas as minhas forças, o pensamento e tudo o que ele contém, desaparecerá completamente.
Ao te ouvir dizer meu nome, respondo de imediato. Mas foi só um impulso. Seria realmente eu quem a palavra chama? Por algum motivo ouço tudo atentamente, como se meus ouvidos pudessem me enganar menos do que meus olhos. E quem pode culpá-los? É o meu olhar para fora. É a janela de minha casa dizendo: o mundo mudou. E quem pode culpá-lo por isso? Não nós, certamente. Como podemos julgar sendo tão culpados? Nós, seres sem berço que acolha nossa agonia. Seres que de tanto querer, cometem erros sem querer. Nós, predadores indefesos, de nós mesmos, de nós mesmos. Provavelmente tenha sido um engano questionar a real existência de tudo, e pior ainda achar que ignorar o problema o faz deixar de existir. Ainda pior é deixar morrer o "inexistente" e enxergar conveniências. Ninguém funciona por aqui.
Mas a toda hora me pergunto: Como é possível? Como é possível tantos mundos paralelos entrecruzando-se sem notar? Como é possível alguém acreditar na própria individualidade? Sob qual aspecto as coisas existem quando eu não estou presente? Como eu posso me descobrir em meu inimigo e diluir-me ao lado do amigo? Seres frágeis e indestrutíveis. Quando chega o momento em que já não é possível aguentar mais, em que já não se luta, não se acredita, não se mantém, nem sequer se sustenta. Algo se renova, algo se contrói. Tudo é feito de ciclos. Nada pára, nada permanece o mesmo. É você, missionário da destruição. Desmonta-se a cada dia, faz-se novo no outro. Deixando marcado para sempre, os rastros de sua queda.