Demorei algum tempo para perceber que estava viva. A dor foi meu primeiro aviso. Por isso digo que devo minha vida à ela. Se não fosse pela dor, existiria como se estivesse morta.
Fui como todos foram, indefesa, frágil e fascinada. Quando se olha para as coisas como um início, há sempre o fascínio. Uma expressão, uma cor, um som, um urso de pelúcia. Em tudo existia a graça, em tudo estava o segredo do mundo. Olhos infantis tão confusos, mudos e tão sábios, que sabem ver tudo que existe lá onde não mais se vê. Mas conforme a pronúncia das palavras vai ganhando força e forma, as certezas tornam-se dúvidas, as dúvidas tornam-se mistérios, e os mistérios tornam-se indesvendáveis.
Coisas estranhas começaram a acontecer quando eu aprendi a pegar os objetos com minhas próprias mãos. Eu os sentia de forma diferente. Cada textura, cada formato, cada peso. Engraçado foi o dia em que eu descobri que eu respiro. Foi quando fiquei resfriada e de vez em quando me faltava ar, aí fui entender que eu precisava de ar, mesmo que não pudesse pegá-lo com minhas mãos.
Nunca pensava no futuro, não tinha a consciência de que ele pudesse existir. Era difícil ter a consciência até de mim mesma. Ninguém me via realmente, ninguém conseguia corresponder-se comigo de verdade. Era como se eu estivesse dentro e todos estivessem fora.
O engraçado do início da existência é que dois mundos se misturam. Dois ou mais, não sei, porque nunca pude contá-los, não sabia. Mas nunca se sabe quando se está acordado ou sonhando. E jamais se estranha as coisas, porque tudo é estranho, tudo é novo. Porém, existe um filtro, pelo qual as coisas passam à medida em que se cresce. E o que pode ser visto, é apenas aquilo que o filtro deixou passar ou que deixaram passar pelo filtro.