Era manhã de feriado. Ao caminhar pela rua, ouvi uma bola quicando em algum lugar perto dali e o rangido das correntes de um balanço com uma criança a brincar, ou talvez fosse só o vento provocando o barulho. Hoje não estou reflexiva. Perdi a capacidade de enxergar os mais sutis detalhes. Hoje só quero caminhar. Quando a gente perde a perspicácia e o dom de fazer as coisas bonitas? A rua é só uma rua, a árvore é só uma árvore, o vento é só o vento. E quando eu me tornei só uma pessoa?
Continuo andando no mesmo ritmo, e meus passos servem como marcadores do tempo. A mesmice me irrita. Corro alguns metros para quebrá-la, mas logo me canso. Volto à mesma pulsação que marca o compasso da minha vida. Fecho os olhos para quem sabe me surpreender no caminho. Tropeço no buraco. Foi má idéia.
As conversas saem dos cômodos das casas com as portas abertas. O que elas pensam que acontece aqui fora?
Alguém me segue. Apresso meus passos, não olho para trás. Tropeço no buraco. Ao cair, vejo que não havia ninguém atrás de mim. Levanto devagar, volto a andar no mesmo ritmo de antes. Sigo o grande muro que não acaba. Só ouço os meus passos na rua e o rangido das correntes de um balanço com uma criança a brincar. Procuro da onde vem o som e encontro o balanço, mas sem a criança. Era só o vento provocando o barulho.