Eu não queria ser uma boneca de porcelana. Eu não queria ser Mona Lisa. Olhava para a bonequinha de vestidinho verde e chapéu na estante e para a réplica do quadro de Mona Lisa. Olha essa expressão. Eu já sou uma boneca de porcelana. Nem feliz, nem triste. Como a Cecília dizia? "Não sou alegre, nem sou triste: sou poeta". Lindo, Cecília, lindo. Tomo a boneca em minhas mãos. Se eu a colocasse em uma caixa, nela escreveria frágil, pois é isso que ela é: frágil. Afinal, o que ela faz? Por que eu quero essa expressão indiferente em minha estante? Pelo menos é bonita, mas isso não parece significar nada para ela...De que adianta? Viver por trás da sua maquiagem pálida e perfeitinha, por trás das suas roupas tão cheias de rendas e estampas e não-sei-o-que-mais. Se houvesse uma boneca de porcelana feia, não faria sentido nenhum, e ela nunca ficaria na estante por tanto tempo como esta ficou. Quem é você bonequinha? Gosta de viver assim? Escrava das boas maneiras, da boa aparência. Seus olhos são infelizes, não adianta tentar esconder. Esse chapéu colado na cabeça, e se quiser tirar? A gola do vestido não enforca? Esse espartilho não aperta? Esses sapatos não machucam? Olho por baixo de suas saias e vejo muitas camadas de vestidos, além de uma espécie de bermuda que vai até os joelhos. As mãos e as pernas, pálidas pálidas, mas não era um branco de leite, era um branco acinzentado..Era um branco de gelo. Sim, ela parecia gelo! Pois além de tudo era fria - tanto no sentido literal como no figurado. Você precisa de ar, boneca. Vou tirar esse chapéu, sim? Há quanto tempo você esteve vestindo tudo isso? Tiro os sapatos, as meias de renda, o vestido, as camadas por baixo dele, o espartilho, só não tiro a tal bermuda porque está colada também, mas por que não? Rasg...E mesmo nua, com sua forma e corpo perfeitos, ainda tinha a expressão infeliz, de viver para os outros, se mostrar aos outros. Um risco no braço parecia uma veia, mas bonecas não têm sangue, nem coração. As bonecas têm a cabeça oca. Toc Toc. Têm? Lembro-me da boneca que tinha um furo na cabeça e eu costumava enfiar coisas lá que depois nunca conseguia tirar...E você? Têm a cabeça oca? Começo a batê-la delicadamente na ponta da estante, mas pela lei do impulso, a batida volta cada vez mais forte até que uma pequena lasca salta. Olho fixamente para o local que ficara deformado. Exatamente na bochecha direita da boneca. Nem nome você tem...Passo o dedo em sua cicatriz, porcelana não corta. Então deixo-a cair. E ela chega silenciosamente no chão onde seus pedaços são espalhados. Sim, sua cabeça era mesmo oca. E ao virar-me para o espelho, que até ali só fora um mero espectador de toda a cena, ele me revela os olhos úmidos. Chego mais perto de minha imagem e passando a mão pelo meu rosto, o sinto gelado e também está pálido como as nuvens acinzentadas que flutuam pelo céu neste momento: talvez vá chover e eu deva subir na estante, mas não posso e nem ficaria lá por muito tempo.
sexta-feira, 6 de julho de 2007
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3 comentários:
caralho, muito muito foda, su!
eu já havia usado as bonecas de porcelana como exemplo de boas maneiras e infelicidade também, porém nunca as tinha (nem nunca as tinha visto) tão bem esmiuçadas.
e quanto a você, ainda que com o rosto pálido e gelado, tem a opção de não ficar na estante, não tem nada costurado te prendendo às malditas irrelevâncias da terra.
ah, su, um dos melhores teus que eu já li, tive que falar isso :}
nooossa suh, nao conhecia seu blog, paguei um pau tb !
lindo.. e acho que essa bonqueinha quando vc dorme, vive a vida de uma puta misteriosa com cara de santinha ^^
ohhohohoho ¬¬ monga!
sei la, tenho uma mesma visao e se formos pensa nessa bonquinha como o sentimento, acho que todas as pessoas têm uma bonquinha dentro de si, só que como falei, a minha acho que vira putinha de noite ;P
^^
enfim.. eu comentei idiotamente como uma idiota, mas o texto me fez arrepiar por completo!
=}}}
amei!
começamos com o blog, finalmente, quer dar um viSuUU na sua arte?
te likamos!
ahiahai
beijosssss
eu brinquei no comentario anterior, por estar corrida e nao prestar aten�ao completa ao seu post, deixando escapar pequenos detalhes que se refugiam, dando ao texto os toques finais e as chaves das fecheduras.
As vezes me sinto uma boneca de porcelana, daquelas que ninguem deixa parada, todo mundo pega para brincar, bagun�a tudo e coloca no lugar depois, esperando que com a bagun�a causada, a boneca tome decisoes, minha cabe�a nao sabe pensar dai entao, pois me tiraram meu rumo, me tiraram meus planos, me sinto um robo, mas no fundo, sou uma boneca de porcelana.
Soh que ainda nao quebrei, talvez algumas rachaduras, mas ainda nao quebrei.
suHh, esse texto esta perfeitinho demais.
beijos
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