sexta-feira, 28 de março de 2008

Vic

É assim que eu me lembro da sua inquietude de espírito. Tão presa, tão atormentada. Você sabe, Vic. Era você exatamente quem eu esperava. Teria a intuição tão correta a ponto de saber como tudo terminará? Ou é apenas o seu medo do resultado incerto? Ou mais: o seu medo de lutar. Por que esse medo, Vic? Receia não ser mais forte do que os outros e não ter aquela firmeza de quem sabe o que está fazendo e o que irá torná-lo feliz. Você sabe, mas não tem certeza. Você quer, mas tem medo. Você pode, mas arriscando-se. Você sonha, mas escondido. Assim vira uma mancha, um simples borrão no qual ninguém pode enxergar alguma coisa. Você deixa de existir, Vic. Você é uma sombra, é espelho, é gota d'água. Você não caminha, e sim, deixa que a levem onde querem, não vive e se ilude com o caráter misterioso da existência. Você pensa, Vic. Mas quem vai socorrer quando soa teu grito? Quem vai escutar a tua agonia tão silenciosa? Quem vai acolher teu corpo rendido?

Queria você viva, mas longe de mim. Queria te mandar embora, mas não consigo. Agora que já me encontrou, não me abandone. Não me deixe só, com a tortura de seus pensamentos, não ignore a dor que existe em mim, ela é a sua. Não me esqueça como tantas vezes eu tentei te esquecer.

quarta-feira, 19 de março de 2008

Insequência

Não lembro como começou, ou se estou começando agora. Tenho a estranha sensação de estar esquecendo alguma coisa, ou de estar no lugar certo, se é que ele existe. Penso na impossibilidade. Nada é o bastante. Contarei a vocês minha história:

Ontem eu vi um cachorro quando estava indo pegar o ônibus para o trabalho. Vi o velhinho da esquina e dei oi, ele respondeu. Logo quando me voltei para o cachorro ele tinha sido atropelado. Fiquei sentida, mas o que eu podia fazer a esta altura? Acenei para o motorista, o ônibus parou, paguei a passagem esperando três reais de troco, mas o cobrador devolveu dois e quem teve que cobrar fui eu. Esperei que ele corrigisse o engano, antes de passar pela catraca. Subitamente senti um grande impacto e fui jogada para a parte da frente do ônibus.

Contarei a vocês minha história:

Eu ia para o trabalho, quando vi um cachorro na rua. Tirei-o de lá antes que se machucasse. O velhinho da esquina veio para me ajudar, mas tropeçou no meio fio e bateu a cabeça. Chamei logo a ambulância e ele foi levado. Fui como acompanhante a caminho do hospital, enquanto ligava para o trabalho explicando meu atraso. O velhinho levou alguns pontos, mas ficou bem. Disse-me que seu nome era Jair. Então eu pude ir embora sabendo que ele não corria nenhum risco, mas na saída do hospital fui assaltada, levaram minha carteira e documentos. Um homem tentou me ajudar a recuperá-los, mas isso fez com que os ladrões atirassem, tiro este que me acertou.

Contarei a vocês minha história:

Saí cedo para o trabalho, mais do que de costume. Aliás, muito mais. E ao encontrar um cachorro quase sendo atropelado no meio da rua, pude ter tempo de levá-lo para casa. Então voltei para pegar o ônibus. Cumprimentei Jair, o velhinho da esquina, ele cumprimentou de volta. Acenei para o motorista. Subi, paguei com dinheiro contado e fui sentar-me no fundo do ônibus. De repente, sem saber porque, gritei: "Cuidado!" e isso fez com que o motorista pisasse bruscamente no freio e virasse o volante. O carro que atravessou no sinal vermelho saiu ileso. Já o ônibus bateu em um poste, derrubando-o. Ninguém se feriu gravemente, mas eu logo desci e avistei dois homens armados em frente à porta do hospital, senti uma dor no peito e caí.
Contarei a vocês minha história:

Saí de casa correndo peguei o cachorro e corri para entregá-lo a Jair. Ele me agradeceu pelo presente de aniversário. Peguei o ônibus, paguei, e em seguida pedi que parasse, exatamente antes de um semáforo em que um carro em alta velocidade ultrapassou o sinal. Duas viaturas da polícia estavam ali. Um guarda saiu com a dele atrás do infrator de trânsito, e ao outro eu pedi que me acompanhasse até o hospital porque não estava me sentindo bem. Dois homens recuaram quando eu entrei. Fiz alguns exames e o médico desconfiou que eu tinha problemas cardíacos. Deu-me alguns remédios para tomar e fez recomendações. Eu agradeci e corri para o trabalho porque estava atrasada. Lá eu trabalhei nomalmente até ouvir o alarme de incêndio. O fogo havia tomado o primeiro andar e se espalhou rápido. Não pude sair.

Contarei a vocês minha história:

Acordei tarde e já atrasada. Saí correndo e no caminho vi uma ambulância. O velhinho da esquina estava nela, e próximo dali, um cachorro havia sido atropelado. Não perguntei nada, não tinha tempo, mas me senti mal. Logo quando estava chegando ao ponto de ônibus, o motorista não me viu e eu o perdi. Chamei um táxi porque não aguentaria esperar. No caminho, havia um terrível acidente no qual aquele ônibus que eu iria tomar, estava envolvido. Logo na frente do hospital um homem havia sido baleado.
Ao virar a rua do prédio onde trabalho, vi muita fumaça. Ele estava em chamas. Uma das mulheres que estava calçada, caiu com a mão no peito, gritando que o filho dela estava lá dentro e logo foi atendida pela ambulância que já estava ali. Caminhei, pensando em quantas tragédias me cercaram naquele dia. Parei em uma ponte e admirei o rio lá embaixo. Eu estava sem um arranhão. Subi no parapeito. "Se eu puder voar, aí quem sabe poderei ser um herói". Saltei.

segunda-feira, 17 de março de 2008

Selo

Bom, a sequência de textos terminou e pelo insucesso a que ela me levou, eu digo que irá demorar para fazer outra, se fizer.
De qualquer forma, o anúncio é que o Chave-fechadura ganhou o selo "Este blog não me sai da cabeça", do Lexotan. É legal ter leitores que visitam o blog com frequência e tal. Gostei de receber o selo, valeu!





Repassarei então para Rasurados e Estranho Mundo de Jack.

sábado, 15 de março de 2008

A existência

Essa figura me atormenta, está sempre ali e tenho visto com mais frequência. Poucas vezes sinto medo, não penso que ela possa fazer algo contra mim, talvez porque eu já não sou eu. É inconsolável essa angústia. Eu me perdi, não só me perdi, como perdi a mim, entendes o que quero dizer? É isso, a coisa da qual mais tenho medo. De estar em um corpo não familiar, em um lugar que me é estranho, com pessoas não conhecidas, sem nada em que possa me apoiar, assim, sem chão mesmo.
Não vês? Estou agonizando aqui dentro! Não existe herói particular, nessas circunstâncias devemos ser os nossos heróis, mas minha incompetência impede que eu me salve.
Tu não entendes, caro amigo, como é, porque eu não sei explicar e a tua dor eu nunca senti.
Não te conheço, tu não me conheces, é esse meu maior presente. Se não tenho passado, poderei ao menos começar agora. Não lembro de muita coisa, mas o que lembrar, guardarei como uma preciosidade. Dá-me teu apoio, sejas minha muleta, caro amigo, estranho querido, pois aleijei-me e não posso mais caminhar.
Assim fui condenada, a caminhar tão só e acorrentada, assim como tu também fostes. E é em nossa trajetória que eu mostro como eu também te sirvo, como eu te guio, mesmo estando na mais profunda incapacidade. Eu entendi quando minha hora chegou. E eu fui por vontade própria. Sabia da dor, do sofrimento, da tristeza, do fim, mas o importante é que isso fazia sentido agora. Eu nunca iria entender posteriormente como era importante essa decisão, por que aconteceu e quem decidiu.
No fim das contas não existe o próprio fim, e consequentemente, nem fim das contas.
Esperei a dor voltar, ela iria ser o meu sinal e eu estaria pronta para ela.
Não penses que já foi. Só está impedido o que tu queres.
Demorei um pouco para perceber a Existência.

quarta-feira, 12 de março de 2008

O veredicto

Quando encontrei alguém logo corri dizendo, implorando para que voltasse, porque eu não estava satisfeita, só agora eu entendia as coisas.
_Eu não fui tudo o que pude, preciso de uma segunda chance se for possível - pedi com um pouco de timidez depois de ter me humilhado implorando.
_Você tem certeza? Tem certeza de que não foi tudo o que podia? - disse o desconhecido.
_Tenho - eu disse, agora sem muita convicção.
_Pois se você pudesse voltar, teria aproveitado as chances que teve? Arriscado tudo pelos sonhos? Feito o que não teve coragem?
Pensei, por um segundo, se dizer sim pudesse me levar de volta, eu diria:
_Sim.
_Pois é o que todos dizem. Olhe pra você agora! Não tem mais nada do que tinha se acostumado, está confusa, está desamparada, sem a única coisa que nunca pôde perder, não importasse o sofrimento. E de que vale dizer que na segunda chance acertará as coisas? Agora que a chance passou e você a perdeu? Explico o porquê: Todas as decisões que tomou tinham uma razão. Se você não arriscou uma chance por algum motivo, é porque não achou que valesse a pena. Agora, é fácil dizer que se pudesse fazer de novo, arriscaria, porque não tem mais nada a perder. De que vale o risco se você deixa de arriscar?
Assim, eu compreendi, se eu pudesse recuperar a vida, não faria diferente. O medo de perder seria maior, só digo que tenho coragem porque agora eu já perdi. O estranho virou-se e desapareceu tão de repente como veio. Tudo pode desaparecer em um segundo, mas só quando se perde é possível entender a bobagem das preciosidades efêmeras.

terça-feira, 11 de março de 2008

O julgamento

E enquanto caminhava entre as lápides, pensei no que realmente sentia, porque agora, não adiantaria nada mentir para mim mesma. É bom ter essa sensação de conseguir ser sincera. Mesmo quando eu quis o mal, e desejei mal. Isso é condenável? Eu não escondi meu ódio. O importante é tê-lo vencido. Venci? Mais repulsivo não é a raiva, nem o sentimento destrutivo, mas a indiferença com que tratei aquele amigo que veio chorar sua dor, o necessitado que simplesmente ignorei, a escolha foi minha. Eu escolhi deixá-lo. Sem amor, ele nunca foi meu parente. E para com meus parentes, nunca tive amor. Quem enxerga meus semelhantes, quem colhe os frutos do plantio, quem planta? Quem chega somente na hora da colheita? Lembro da vez em que tirei proveito do outro, não me orgulho disso.
Se eu tentar me isentar das coisas, serei igualmente responsável por elas. Não adianta querer fugir, nem fingir. De nada valem as aparências quando a verdade corrói por dentro. O que é de fato sincero, determina.
Cheguei a pensar que ninguém iria vir para o meu julgamento. Não temia porque não achava motivos para isso. Minhas atitudes podiam não ter sido nobres, mas não havia feito o mal.
Não. Meu hábito de mentir... Já ofendi, esnobei, roubei, falsifiquei, feri, machuquei. Sim, eu havia feito o mal. Se me arrependesse de coração, com certeza iria ser perdoada. Como faria isso, de arrepender-me, eu não sabia. Era preciso implorar de joelhos e dizer que sentia muito?
A minha infantilidade ainda não tinha ido embora, acho que não ficamos sábios ao morrer, afinal.
No fim das contas algumas coisas simplesmente não valem a pena. Fazer o quê? Sentar e chorar? Gritar por ajuda? Pedir perdão?
Mesmo se fosse por minha imbecilidade, não adiantaria. No fim das contas, ninguém estava lá para me julgar. Ninguém me acusou, nem condenou. Eu fui o réu, fui advogada, fui promotora, testemunha e juíza. Quem julgou fui eu. E ninguém poderia ter feito me sentir mais mesquinha e egocêntrica, do que eu mesma fiz.

sexta-feira, 7 de março de 2008

A morte

Aqui jaz. É só disso que me lembro. Não sei como foi, quando, nem por que. A raiva, a impaciência e o nervosismo ainda me acompanham. E o medo, nem ao menos sei o que temo. Não sei o que deveria temer nas atuais circunstâncias. Deus ou o Diabo? Depois de todas as bobagens ditas eu não sei mais no que acreditar. Disseram que se eu não seguisse Deus, eu iria para o inferno, mas tento recordar minhas atitudes. Como saber se eu realmente segui Deus? Não fiz exatamente as coisas que o padre dizia, mas quem o nomeou dono da verdade? Estarei dizendo blasfêmias? Mas, céus, ele é uma pessoa assim como eu, estarei assim tão errada? Nada disso importa agora. Não sei onde estou. E ter medo é imbecilidade minha. Chega de agir como uma criança que necessita sempre de um adulto para ditar o certo e o errado, e punir quando erra.
O que faz de mim um boa pessoa? Do que eu tenho orgulho? Do que eu tenho vergonha? Minha nossa, nunca tenho tempo para tentar responder essas questões... Por que eu sempre tive medo de me perguntar, de me conhecer, de me descobrir? Como as pessoas podem ter medo de si mesmas? Por que acham que a ignorância é a melhor saída? Como fui patética, como fui ingênua.
Como é possível só agora eu me sentir alguém? Eu mesma! Por que não antes? Não fui sincera antes.
Angustiada e inquieta eu caminho entre as lápides enquanto penso os meus segredos.

quarta-feira, 5 de março de 2008

A epifania

A dor veio de novo. Se a dor fosse proporcional à intensidade da minha vida eu poderia dizer que me sentia mais viva do que nunca. Aquela agulha lancinante no peito. Ai, a dor. Nunca pensei que certas coisas me afetassem tanto. "Eu não sou de ferro, eu não sou indestrutível, eu não estou imune" repetia para mim mesma, enquanto andava curvada com a mão no peito, sofrendo uma pressão que nunca sentira. Por um momento pensei ser vítima de um ataque cardíaco, o que me apavorou ainda mais. Mas não. Era dor da perda, a dor da vida. Eu tive um colapso. Assustei-me porque pela primeira vez, não conseguia de forma alguma controlar meu corpo, ele tremia. Foi assim a minha primeira dor? Foi, fui eu quem ficou fraca demais para aguentá-la. Subitamente lembrei de coisas banais do passado. Nada tinha ligação até esse momento.
De tanto esperar o inesperado, nada poderia me surpreender. Chega o momento mais intenso e ele passa assim, sem deixar marcas que eu possa um dia mostrar para alguém. De tanto querer. De tanto sonhar escondido e desejar em segredo. Chegou a minha "hora da Clarice", "hora da estrela". Não foi o que eu esperava, aliás eu não esperava, e talvez por isso tenha sido tão diferente, eu não tive tempo de idealizar.
Eu soube que durante a vida inteira eu fora abençoada com a incerteza e a dúvida. O que eu via como meus tormentos eram os meus bens mais valiosos. Foi assim. Não mudei, continuei a mesma depois do choque. As coisas podem não ser o que esperamos.
Nunca entendi o que eles queriam, e sempre tive medo de decepcionar.
É isso sua epifania?
Sei. É decepcionante, mas eu não ligo.

sábado, 1 de março de 2008

O adormecer

Onde eu perdi o propósito? Onde eu deixei minhas razões? Por onde esteve meu corpo? E mais importante ainda: Minha mente? Chega, acorda disso, existem coisas a fazer, por fazer. Não há tempo para bobagens. Ninguém te dá tempo pra pensar em paz, porque é perigoso. Onde eu perdi meus princípios? Para onde levaram a minha e a sua vida?

A certa altura a gente sente que está para morrer. Algumas vezes é um choque saber que não há muito tempo, mas para mim, não foi. Como um defunto pode ter medo da morte? Eu já sabia, não adiantava tentar mudar, tudo foi banal demais para os outros que nunca conseguiriam entender as alegrias tão medíocres de sentir. As pessoas querem glória, querem fama, querem o mundo. Querem demais. Eu pude sentir o mundo, raras vezes é verdade, mas eu consegui e ninguém jamais saberá. Morrerei anonimamente, assim como tantos outros.

Percebe como sou? O segredo sempre foi não se deixar abater, mas sou humana. Já fui. E assim morrerei, fria e insensível, ninguém nunca entendeu, eu nunca deixei. Não culpo ninguém, culpo eu. Tudo interrompido, nem cheguei a ser. Não me venha com pena ou compaixão, já adormeci, não ouço mais, tudo não passa de uma espera. Quando morri e não me avisaram?