quarta-feira, 19 de março de 2008

Insequência

Não lembro como começou, ou se estou começando agora. Tenho a estranha sensação de estar esquecendo alguma coisa, ou de estar no lugar certo, se é que ele existe. Penso na impossibilidade. Nada é o bastante. Contarei a vocês minha história:

Ontem eu vi um cachorro quando estava indo pegar o ônibus para o trabalho. Vi o velhinho da esquina e dei oi, ele respondeu. Logo quando me voltei para o cachorro ele tinha sido atropelado. Fiquei sentida, mas o que eu podia fazer a esta altura? Acenei para o motorista, o ônibus parou, paguei a passagem esperando três reais de troco, mas o cobrador devolveu dois e quem teve que cobrar fui eu. Esperei que ele corrigisse o engano, antes de passar pela catraca. Subitamente senti um grande impacto e fui jogada para a parte da frente do ônibus.

Contarei a vocês minha história:

Eu ia para o trabalho, quando vi um cachorro na rua. Tirei-o de lá antes que se machucasse. O velhinho da esquina veio para me ajudar, mas tropeçou no meio fio e bateu a cabeça. Chamei logo a ambulância e ele foi levado. Fui como acompanhante a caminho do hospital, enquanto ligava para o trabalho explicando meu atraso. O velhinho levou alguns pontos, mas ficou bem. Disse-me que seu nome era Jair. Então eu pude ir embora sabendo que ele não corria nenhum risco, mas na saída do hospital fui assaltada, levaram minha carteira e documentos. Um homem tentou me ajudar a recuperá-los, mas isso fez com que os ladrões atirassem, tiro este que me acertou.

Contarei a vocês minha história:

Saí cedo para o trabalho, mais do que de costume. Aliás, muito mais. E ao encontrar um cachorro quase sendo atropelado no meio da rua, pude ter tempo de levá-lo para casa. Então voltei para pegar o ônibus. Cumprimentei Jair, o velhinho da esquina, ele cumprimentou de volta. Acenei para o motorista. Subi, paguei com dinheiro contado e fui sentar-me no fundo do ônibus. De repente, sem saber porque, gritei: "Cuidado!" e isso fez com que o motorista pisasse bruscamente no freio e virasse o volante. O carro que atravessou no sinal vermelho saiu ileso. Já o ônibus bateu em um poste, derrubando-o. Ninguém se feriu gravemente, mas eu logo desci e avistei dois homens armados em frente à porta do hospital, senti uma dor no peito e caí.
Contarei a vocês minha história:

Saí de casa correndo peguei o cachorro e corri para entregá-lo a Jair. Ele me agradeceu pelo presente de aniversário. Peguei o ônibus, paguei, e em seguida pedi que parasse, exatamente antes de um semáforo em que um carro em alta velocidade ultrapassou o sinal. Duas viaturas da polícia estavam ali. Um guarda saiu com a dele atrás do infrator de trânsito, e ao outro eu pedi que me acompanhasse até o hospital porque não estava me sentindo bem. Dois homens recuaram quando eu entrei. Fiz alguns exames e o médico desconfiou que eu tinha problemas cardíacos. Deu-me alguns remédios para tomar e fez recomendações. Eu agradeci e corri para o trabalho porque estava atrasada. Lá eu trabalhei nomalmente até ouvir o alarme de incêndio. O fogo havia tomado o primeiro andar e se espalhou rápido. Não pude sair.

Contarei a vocês minha história:

Acordei tarde e já atrasada. Saí correndo e no caminho vi uma ambulância. O velhinho da esquina estava nela, e próximo dali, um cachorro havia sido atropelado. Não perguntei nada, não tinha tempo, mas me senti mal. Logo quando estava chegando ao ponto de ônibus, o motorista não me viu e eu o perdi. Chamei um táxi porque não aguentaria esperar. No caminho, havia um terrível acidente no qual aquele ônibus que eu iria tomar, estava envolvido. Logo na frente do hospital um homem havia sido baleado.
Ao virar a rua do prédio onde trabalho, vi muita fumaça. Ele estava em chamas. Uma das mulheres que estava calçada, caiu com a mão no peito, gritando que o filho dela estava lá dentro e logo foi atendida pela ambulância que já estava ali. Caminhei, pensando em quantas tragédias me cercaram naquele dia. Parei em uma ponte e admirei o rio lá embaixo. Eu estava sem um arranhão. Subi no parapeito. "Se eu puder voar, aí quem sabe poderei ser um herói". Saltei.

2 comentários:

Luciana disse...

isso foi bem 'corra, suellen, corra"
e na verdade me deixou estranhamente agoniada
=x




querendo ou não, tudo nos leva ao mesmo final.

lisspow disse...

quantas possibilidades que não adiantariam de nada pra ela, que não teve escolha. fazia um tempo que não vinha aqui, muito foda. :)