quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

As discrepâncias do Ser

Se você sente essa angústia ardendo por dentro, não adianta tentar tranquilizar-se pensando nisso como algo comum, embora seja, embora você não seja o único.
Se você sente essa angústia, é porque em algum momento você foi amplo demais e o mesmo não aconteceu com o espaço ao seu redor. Transbordastes.
Sentir as coisas, não significa possuí-las, nem tê-las significa aprisioná-las. Aliás, nunca se tem nada. As coisas não foram feitas para serem propriedade de alguém. Seguramos uma moeda, mas ela não é nossa. Nem o valor a ela atribuído. Nem nosso, nem dela. De ninguém. Vestimos um casaco, carregamos um amuleto, seguramos as mãos. Não são nossos, não somos nossos. Por mais que alguém deseje o Sol, roube a Luz ou compre um pedaço de terra... Não se pode agregar aquilo fora de sua natureza.
Aprisionar algo que, por natureza é livre, gera consequências catastróficas.
Moldar-se a um pequeno recipiente é mais fácil do que tentar preencher todo o espaço vazio a sua volta, implorando para que não entre em choque com alguém.
Em todos os momentos eu me controlo, em todos os momentos tenho que dosar as coisas, em todos momentos, eu devo economizar o que possuo. Temendo que acabe, temendo que eu me acabe, temendo não ter o suficiente para seguir até o fim. Mas tenho uma vontade de dizer àqueles com quem realmente me importo, que eu não fui tudo que conseguia, não fiz tudo que poderia, não terminei ainda, não ofereci tudo o que podia oferecer, nem mostrei tudo o que tinha pra mostrar. Quero pedir que, por favor, esperem mais um pouco.
E uma vontade... Uma vontade louca de gritar. Mas gritar o quê? De gritar a frase mais bonita do mundo. Mas nada está bom, nada está bom. A frase mais bonita, não é a mais bonita. Por que as coisas precisam ser dignas de receber o meu melhor? Não seria capaz de gritar a frase mais bonita temendo ser a minha única chance, e tudo o que seria possível ouvir, seria um grunhido horroroso de não saber o que dizer para que o mundo se volte e ouça.
Nem a dor de todos os desesperos e nem a beleza de todas a dores. Um cinza de chumbo. Da mistura de tudo. Aprendeu? Não adianta tentar misturar todas as coisas bonitas para conseguir algo que reúna todas as belezas em uma. É preciso escolher, é preciso escolher.
Na verdade o segredo não está nas coisas, mas no que delas é feito. Não queiras ter o mundo que as coisas todas são tuas, ela me disse. Sei que foi. E seguiu a perseguir a alegria de não ter nada, e continua seguindo.
Se são minhas meias palavras, ou minhas frases interminadas que retratam minha beleza, um dia cantarei uma música sem frases. O que eu tenho de melhor é o que eu não tenho.
O que eu realmente gostaria de dizer, àqueles que amo, àqueles que admiro, que não sabem que eu existo, que já não estão mais aqui, é adeus. Caso não dê tempo de me despedir. Mas quem gosta de despedidas?
Então, que nada fique registrado, que a minha frase mais bonita seja o meu silêncio. E minha maior beleza seja a de não saber. E que o meu amor esteja nos olhos de quem me vê. Agora você conseguiu.

sábado, 15 de novembro de 2008

Saiba...

Há muito tempo eu esperei por algo maior. E quando chegasse, eu saberia que esse algo iria ser tudo que eu jamais conseguiria de novo, sem nunca ter conseguido. Algo que não era meu e eu nunca iria ter. Mas me veio o mistério. Como eu poderia dizer aquilo que eu só conseguia pensar? Como eu poderia pensar aquilo que eu só conseguia sentir? E como te fazer sentir aquilo que eu sentia? Observem-me nesse momento. Eu estou plena. Diga a você mesmo "quem sou eu?", diga porque você sabe como. Só por isso.
Eu não esperaria se eu não pensasse que valeria a pena. Eu não arriscaria. Eu não daria uma chance ao mundo se não soubesse que ele pode surpreender. Olha só pra mim. Olha só pra você. Eu disse uma palavra. Você se lembrou de algo. Eu lembrei de você. A palavra foi embora. Alguém a ouviu e lembrou de alguém. E tudo no mundo interligou-se em uma corrente infinita. Poderia ser o que eu menos esperava, até do que eu tive medo. Mas eu deixei, simplesmente deixei. E o mundo abriu-se em possibilidades. Não é tão difícil assim, sabe? Viver...
Se você é aquele que aparece vez ou outra pra mostrar que ainda existe ou se você é aquele de todos os dias, mas que mesmo assim espero ansiosa para encontrar. E estar no meio de tanta coisa. Porque você é tudo que eu jamais poderei entender.

sábado, 8 de novembro de 2008

Da fuga

Ele estava bêbado, ela também. Entraram no carro depressa. Ela vomitou, ele também. O azedume do vômito infestou o estofado, ela o beijou. "Quero ir pra casa". O sorriso dele era de inocência, o olhar, de desejo. "Vamos agora". Ele colocou a chave na ignição e girou-a. O carro deu um salto para frente e morreu. Os dois riram e se beijaram. "Eu te amo". Ele tentou tirar o carro com cuidado, derrubou a placa, bateu de leve na árvore. Os dois riram de novo. Ele saiu dirigindo em zigue-zague, ela rindo. Na rua, motoristas xingavam e buzinavam. "Esses imbecis não sabem dirigir!". Ela olhava séria pela janela. "E se nós morrêssemos agora, Alberto?" O olhar era de piedade. "Não vamos morrer, eu tomo cuidado". Parou um pouco antes de replicar, "mas se acontecer alguma coisa? Sabe que a qualquer momento...Quer dizer, sempre tem perigo. O sinal vermelho, o sinal vermelho!" , ela abanou as mãos deseperada sem ter o que fazer para controlar o carro. O pneu cantou um pouco antes de parar de rodar. Sabe que só por estarmos parados aqui, pode vir alguém, atirar, e a gente... Morre!" Os olhares de questionamento, de vontade, de tristeza, de paixão, de medo, de peloamordeDeus. "Então vamos fugir do perigo, meu amor! Foge comigo, foge!?" As lágrimas de alegria e desespero inundaram os olhos. "Não quero ter medo..."Começou a acelerar. "Foge comigo antes do sinal abrir?" Ela só apertou seu braço, ele pisou fundo. "Nada vai nos alcançar, meu amor!" A velocidade aumentava. Os risos de alívio eram dela. Os de felicidade eram dele. "Vamos fugir do perigo!", ele gritava, mas foi o silêncio que reinou quando foram de encontro a outro carro. Ele morreu, ela também.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Perpendicular

Já pensou no que lhe foi perguntado?

Em poucos segundos ela entendeu toda a sua vida como uma mentira. Ou mera ilusão e utopia. Até ali a vida fora pacífica e pacata. Talvez tenha sofrido alguns choques vez ou outra. Mas agora não chegava a ser um choque. Antes, todas as coisas eram dos outros e nem a própria vida lhe pertencia. Antes, tudo dependia e era vontade alheia. Até o momento, aquele exato momento. Já havia passado horas vasculhando a memória, à procura do instante em que havia deixado as coisas do passado. À procura do instante responsável por torná-la a pessoa do jeito como era. Mas o instante só foi acontecer nesse exato momento, justificando o fato de nunca tê-lo encontrado antes, afinal, nunca acontecera. Só agora surgia a cruz, antes composta por milhões de caminhos disformes e imaginários. Embora ainda existissem, dentre todos, agora destacava-se a cruz. Encruzilhada. O que seu coração realmente quer? Você o escuta? Chega a senti-lo bater no peito? Aperte os braços, procure as artérias, sinta a sua pulsação. Está sentindo? Então, você ainda não está morta. Ainda existe este fio de vida te fazendo doer e sangrar. Assim como todos, assim como todos. Ouça: Você é assim como todos. Não é a racionalidade que nos torna humanos. A civilidade não nos conecta. É o sofrimento que nos liga aos outros. E a dor de amar nos faz reconhecer em nossos semelhantes.
Olhe para a encruzilhada. Já se perguntou o que lhe foi perguntado? Já tentou ir a fundo no denso abismo que é o seu ser? Já percebeu como os seus sonhos talvez não queiram ser realizados? Já se perguntou como chegou aonde está? Já acordou sentindo o peso do universo incrustado na sua mais pura essência? Já sentiu como se toda a vida nunca fosse se transformar? Por acaso já chegou a responder a mais simples das perguntas?

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Leia-me

"...Quem diz muito que vai não vai e assim como não vai, não vem..."(Vinícius de Moraes). E você? Vai ou não? É mais fácil continuar, agora que começou... Sabe que para mim, é muito difícil pedir que não vá embora, sempre fui orgulhosa para tudo, até quando não precisava. Mas agora abro uma exceção: Peço que não vá, fique mais um pouco, nem precisa ser até o final, mas não vá agora.

Se você fica eu fico sem saber. Nós não somos os mesmos. É possível estar em mais lugares ao mesmo tempo. E onde fomos parar? No que as coisas se tornaram, se tudo se modifica de uma hora para outra? Você nunca soube, nem eu sabia. Quem somos? Quem fomos? Pergunte isso às paredes mudas que de tudo são testemunhas. Da minha e da sua loucura. Se você lembra do meu medo ridículo ou da minha neurose já diagnosticada, mas não tratada, da minha distância sem medida, você também se lembra da minha voracidade, da minha ânsia em ser algo mais, em ser quem eu sempre quis ser. Sabe onde eu estive? Eu também não sei. E você? Como chegou onde ninguém mais ousou estar?
Se não fosse um gesto, se não fosse o pensamento, se não fosse o disfarce, se não fosse a chance. Se não fosse um simples convite. Se não fosse a absurda estranheza familiar das coisas. Se fosse um universo paralelo onde todo o ocorrido, não ocorreu. Quem dirá? Não as paredes mudas. E eu não estava lá. Eu saí de mim, não sei bem em qual momento. Mas você me viu e me adivinhou.
Já tinha pensado nisso, mas a decisão definitiva foi de última hora. A convicção sempre acontece na última hora... Não importa se ela te acompanha até os instantes finais. E eu fui.


"...Quem diz muito que vai, não vai. E assim como não vai não vem.
Quem de dentro de si não sai, vai morrer sem amar ninguém."

domingo, 24 de agosto de 2008

Sua voz

E o que mais é preciso, se às vezes uma palavra já é demais? Eu não perderia meu tempo tentando explicar os meus mais preciosos segredos se isso implicasse em deixá-los para trás. Algumas coisas nunca poderão ser substituídas. E se é um pedaço de mim que eu deixo com você, não importa, nem me dói. No fundo tudo isso já é seu. Escuro demais, forte demais. Mesmo em sua expressão de quase dor eu vejo uma alegria. Uma felicidade triste, de sonhar, de estar vivo, de fechar os olhos e desejar morrer, morrer para o mundo, quando nada mais existirá além de uma palavra: aquela que você me disse baixinho quando achei que nunca fosse ouvir.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Da grandeza das pequenas coisas...

A falta de medo me domina algumas vezes. E a calma se constrói serenamente, sem nenhum sinal de alerta. Não sei qual força me puxa para perto. E cada vez mais perto. A noite sombria toma forma de alvorada. Não sei qual força faz com que eu exista agora e aqui. Eu sei que nunca me lembrarei de todas as suas palavras, nem quanto tempo estivemos ali, mas tudo que eu não lembro já está em mim. Sei do silêncio, sei dos pequenos focos de luz, sei de um ou outro despertar sonolento. Mas sei acima de tudo, da força de sua fala. Não foram suas palavras, mas sim tudo evocado por elas. Nenhum grito ou berro, falaria mais alto do que aquele sussurro ao pé do ouvido. E aquelas lágrimas atingiram em cheio o meu coração como nenhum punhal ou lança poderiam ter feito. É assim que a gente descobre que tem coração? Foi aquela intensidade, a sua intensidade me fazendo desmanchar ali mesmo. E a minha redenção anunciando que depois de todas aquelas palavras, nada seria o mesmo. E não acreditei na minha sorte. Foi o meu íntimo questionando o meu destino surreal: Como pode existir algo tão grande, em um universo tão pequeno?

terça-feira, 27 de maio de 2008

Tendência

Eu queria saber onde vai parar a razão, ou onde se esconde a vontade tão incontrolável de ser algo mais.
Existe esse ponto alto e logo em seguida uma cadência.
Porque algo sempre pesa mais de um lado.
As coisas estão sempre tendendo.
Algo em equilíbrio não faz esse tipo de diferença, porque não pesa.
De todas as coisas que eu vi, eu não descrevo sequer alguma.
Na vida é preciso fazer escolhas.
E eu nunca soube falar de coisas bonitas.

sábado, 10 de maio de 2008

Desencanto

Era manhã de feriado. Ao caminhar pela rua, ouvi uma bola quicando em algum lugar perto dali e o rangido das correntes de um balanço com uma criança a brincar, ou talvez fosse só o vento provocando o barulho. Hoje não estou reflexiva. Perdi a capacidade de enxergar os mais sutis detalhes. Hoje só quero caminhar. Quando a gente perde a perspicácia e o dom de fazer as coisas bonitas? A rua é só uma rua, a árvore é só uma árvore, o vento é só o vento. E quando eu me tornei só uma pessoa?
Continuo andando no mesmo ritmo, e meus passos servem como marcadores do tempo. A mesmice me irrita. Corro alguns metros para quebrá-la, mas logo me canso. Volto à mesma pulsação que marca o compasso da minha vida. Fecho os olhos para quem sabe me surpreender no caminho. Tropeço no buraco. Foi má idéia.
As conversas saem dos cômodos das casas com as portas abertas. O que elas pensam que acontece aqui fora?
Alguém me segue. Apresso meus passos, não olho para trás. Tropeço no buraco. Ao cair, vejo que não havia ninguém atrás de mim. Levanto devagar, volto a andar no mesmo ritmo de antes. Sigo o grande muro que não acaba. Só ouço os meus passos na rua e o rangido das correntes de um balanço com uma criança a brincar. Procuro da onde vem o som e encontro o balanço, mas sem a criança. Era só o vento provocando o barulho.

sábado, 3 de maio de 2008

Lado a lado

Eu olhei, mas não me viu. Eu não saberia o que dizer mesmo... É estranha essa preocupação repentina com tudo. Nunca liguei para nada. Nunca abraçei ninguém assim, tranquila, forte, enquanto sentia o cheiro do seu cabelo. E era exatamente como eu lembrava. Evitei olhar novamente, porque senti uma lágrima prestes a cair. Nunca havia sequer abraçado alguém por iniciativa própria. Senti-me tão vulnerável e ao mesmo tempo tão reconfortada. Eu pedi certa proximidade e não rejeitaram meu pedido, não me afastaram como eu pensei que fariam.
Eu não sou tão forte como penso que sou. Até os corações de pedra precisam de alguém de vez em quando ou até mesmo de outro coração de pedra para dividir sua falta de sentimentos.
Mas esse tipo de receptividade me deixa cada vez mais sensibilizada. Eu não queria perder a pose assim. Não queria perder a minha indiferença, minha frieza, mas as atitudes me afetam.
É engraçada a vontade que eu tenho de ficar sempre "mais cinco minutinhos".

sexta-feira, 25 de abril de 2008

Requiem

Estive travando uma grande luta contra os astros da primeira e da segunda órbita para que não saíssem de lá. Ontem eu tentei copiar o que nunca vi. Certa vez disse que nunca renunciaria aos meus princípios, no entanto... Quis fugir para galáxias distantes onde nada me alcançasse, mas quem não alcançou fui eu. Comecei a subir escadas, mas elas me cansaram, melhor ficar no terreno plano, ou descer ao subsolo que não exige muito esforço. Já conheci o inferno e não é ruim, ao contrário do caos que por aqui reina. Ontem eu disse ao meu amor que não o amava, embora não o odiasse, mas depois precisei desdizer, e me dei conta de que não há como desdizer algo. Por isso, pedi perdão.
Um dia mamãe me expulsou de casa, e disse que eu não era mais a filha que ela criou. Assim, eu acreditei ter me tornado outra pessoa, mas sei que tornados raramente acontecem por aqui, então soube: Algumas pessoas simplesmente não se encaixam.
Ontem pedi perdão por ser como sou, eu não pretendia. Eu corrompi a todos depois de me estragarem por dentro.
Ao fazer o jantar lembrei que nunca aprendi a cozinhar, por um momento pensei que nunca comeria de novo. A fome foi tão grande que eu matei uma pessoa para ter a sua carne, mas depois das primeiras mordidas, percebi como o gosto era ruim, então a deixei. Por esse fato, virei assassina. Sabe, se eu tivesse matado por um motivo nobre como alimentação aí não teria problema. Pedi perdão.
Sozinha eu sentia medo, e não suportei. Obriguei alguém a me amar e tentei ser persuasiva, mas por algum motivo tudo ficou infeliz. Entendi que não se pode obrigar alguém a amar, só se pode obrigar outras coisas. Pelo menos sabia deixá-los partir. E pedi perdão. Mas antes me perdoei.
Sempre soube que eu não era daqui, aqui não era o meu lugar. Então fui à minha origem. Não era da terra, era do mar. Por fim atirei-me nele. Mas não foi o fim. Me tiraram de lá, levaram-me em uma caixa e a trancaram, enterram-me em um buraco. Queriam me obrigar a ser da terra, como sempre quiseram me obrigar a ser outras coisas. Mas não havia nada que eu pudesse fazer naquele instante, não tinha reações. Com o tempo, assisti meu corpo a se decompor, e enquanto ele apodrecia, finalmente meu exterior fez jus ao meu caráter.

quinta-feira, 17 de abril de 2008

Um pouco de mídia e sociologia

Eu não consigo defender o que me pedem. Se você me perguntar o que eu pretendo quando permaneço na atual situação, juro não saber a resposta. Como diria aquela música que gosto: "nós parecemos os mesmos, nós falamos igual, até fodemos igual". E como escapar disso? Não, essa não é a pergunta correta a se fazer. A correta seria: Há como escapar disso? Sinceramente, eu não sei.
Apesar de ter sempre alguém dizendo que não, que pelo menos ele não se deixa levar pelos gostos da maioria, eu tenho minhas dúvidas. Às vezes eu fico assustada com o que move as massas. Afirmo com certo orgulho, nunca ter ouvido novos "hits", como "Piriguete" e "Créu", mas não significa que não posso ser massificada em outros aspectos.
O mundo se mostra como uma grande empresa, onde cada setor tem suas novidades e todos comentam sobre os outros. Não sei se sempre foi assim ou se aquilo "que eu preciso defender", tem grande parcela de culpa nisso.
Vez ou outra os jornais escolhem um dado acontecimento para transformar em grande atração ou espetáculo midiático. Dessa vez foi a morte de Isabela. A notícia de repente vira uma saga, onde todos começam a falar e a discutir, tentando desvendar o crime, como se fizessem parte de um filme policial ou de supense. Esses dias minha irmã perguntou: Quem você acha que é o culpado? Ao que eu respondi: É o mordomo! Foi sem graça, eu sei, mas depois eu me dei conta de que essa piada mostra meu posicionamento diante disso. Como todos estão falando por aí, essa história daria um enredo perfeito para algum livro de Agatha Christie.
É esse o assunto do almoço, do ônibus, da sala de aula, até da roda de amigos e é claro, meu, que mesmo na tentativa de mostrar como essa insistência é patética, estou aqui, batendo na mesma tecla que já está quase quebrando de tanto que a apertaram nas últimas semanas.
Ou então tem aquela música de todos os dias, porque está nas paradas de sucesso, mas é insuportável (juro que não me refiro a "Semente do Armandinho"), as novas tendências, nas roupas, na alimentação, nas distrações, no entretenimento, no estilo de vida. Até mesmo querer ser do contra virou tendência. Ou será que os auto-intitulados indies, punks, grunges, undergrounds e afins acham mesmo que estão nadando contra a corrente?
Mesmo se alguém não liga pra nada disso, acaba sendo rotulado de alguma forma. A solução é não ligar pra nada mesmo.
Mas a cada dia eu me pergunto como coisas tão banais e planejadas conseguem afetar tanta gente? E como eles não se dão conta de que em meio a tantas variedades de estilo, eles falam das mesmas coisas, fazem as mesmas coisas, pensam sobre as mesmas coisas...
Lamento, mas nunca vou conseguir defender o que me pedem.

sábado, 12 de abril de 2008

vontade


Eu só não queria me vigiar o tempo todo, nem ficar amargurada. Eu só não queria ter que me despedir de novo, nem guardar tanta angústia. Eu só não queria precisar fugir e refugiar-me em pensamento. Eu só queria ter o que eles têm. Eu só queria não ser tão patética. O que eu queria, é o que todo mundo quer. Eu só queria ter o que eu quero.

sábado, 5 de abril de 2008

Doce Psicopata

Ele não sabia que a encontraria morta no dia seguinte. Nunca sabem. Mas logo ele?

Ele que já fizera essa surpresa a outrem? Ele que estava tão acostumado com a beleza dramática de uma morte bem executada. Ele que dava a todas as suas vítimas fins desse gênero. Que tipo de amador atira e sai correndo, sem ver o sangue escorrer, sem compartilhar do sofrimento e da dor? Isso não basta, era o que ele sempre dizia. E nunca bastava. Assim, tornou-se um perito na arte da tragédia. Para ele, cada um merecia uma forma especial de morrer, pois quando criança, lhe diziam que cada pessoa é especial. Porém, a tragédia sempre terminava do mesmo jeito, porque isso era senso de justiça: uma cova (porque é irresponsabilidade deixar o trabalho pela metade), palavras de homenagem (o sinal de respeito) e uma flor sobre o túmulo meticulosamente construído (para ele, toda mulher deveria ao menos uma vez, receber flores).

Ninguém entenderia, disso ele tinha certeza, mas sabia que no seu íntimo, a paixão, o carinho e o afeto afloravam de uma forma diferente. E ele amava suas vítimas. Cada uma delas, de forma tão intensa a ponto de achar que ia morrer, mas quem morria eram elas. Ninguém compreenderia, que o seu trabalho, era quase como um caso amoroso... Mas ao contrário. Ninguém poderia entender que da mesma forma como um amante quer proporcionar a maior quantidade de prazer à pessoa amada, o psicopata quer proporcionar a maior quantidade de sofrimento. Tinha que ser assim. Que forma de amar é mais pura do que aceitar ser odiado? Ele precisava encarar o olhar de piedade, ver a pele cortar, assistir o vermelho brilhante do sangue aparecer, ouvir os gritos de socorro, os gritos de dor, os gritos de sofrimento, os gritos de horror, os gritos pavor, os gritos implorando que acabasse com aquilo de uma vez, até cessarem os gritos e reinar silêncio, para que só então pudesse deitar e dormir ao lado daquela por quem sentia algo diferente, a quem nunca faria mal, por mais que isso traduzisse o seu carinho. Por algum estranho motivo a queria ali, sorrindo. Aquela por quem cultivou uma forma diferente de gostar, aquela que ele encontrou morta, da forma mais cruel possível, ao chegar em casa.

E foi quando ele sentiu a dor mais cortante que já experimentara, o desespero mais agudo que já vivenciara e a tristeza mais sombria que já o atingiu.

Ele não pôde suportar que alguém pudesse amá-la como ele nunca amou.

sexta-feira, 28 de março de 2008

Vic

É assim que eu me lembro da sua inquietude de espírito. Tão presa, tão atormentada. Você sabe, Vic. Era você exatamente quem eu esperava. Teria a intuição tão correta a ponto de saber como tudo terminará? Ou é apenas o seu medo do resultado incerto? Ou mais: o seu medo de lutar. Por que esse medo, Vic? Receia não ser mais forte do que os outros e não ter aquela firmeza de quem sabe o que está fazendo e o que irá torná-lo feliz. Você sabe, mas não tem certeza. Você quer, mas tem medo. Você pode, mas arriscando-se. Você sonha, mas escondido. Assim vira uma mancha, um simples borrão no qual ninguém pode enxergar alguma coisa. Você deixa de existir, Vic. Você é uma sombra, é espelho, é gota d'água. Você não caminha, e sim, deixa que a levem onde querem, não vive e se ilude com o caráter misterioso da existência. Você pensa, Vic. Mas quem vai socorrer quando soa teu grito? Quem vai escutar a tua agonia tão silenciosa? Quem vai acolher teu corpo rendido?

Queria você viva, mas longe de mim. Queria te mandar embora, mas não consigo. Agora que já me encontrou, não me abandone. Não me deixe só, com a tortura de seus pensamentos, não ignore a dor que existe em mim, ela é a sua. Não me esqueça como tantas vezes eu tentei te esquecer.

quarta-feira, 19 de março de 2008

Insequência

Não lembro como começou, ou se estou começando agora. Tenho a estranha sensação de estar esquecendo alguma coisa, ou de estar no lugar certo, se é que ele existe. Penso na impossibilidade. Nada é o bastante. Contarei a vocês minha história:

Ontem eu vi um cachorro quando estava indo pegar o ônibus para o trabalho. Vi o velhinho da esquina e dei oi, ele respondeu. Logo quando me voltei para o cachorro ele tinha sido atropelado. Fiquei sentida, mas o que eu podia fazer a esta altura? Acenei para o motorista, o ônibus parou, paguei a passagem esperando três reais de troco, mas o cobrador devolveu dois e quem teve que cobrar fui eu. Esperei que ele corrigisse o engano, antes de passar pela catraca. Subitamente senti um grande impacto e fui jogada para a parte da frente do ônibus.

Contarei a vocês minha história:

Eu ia para o trabalho, quando vi um cachorro na rua. Tirei-o de lá antes que se machucasse. O velhinho da esquina veio para me ajudar, mas tropeçou no meio fio e bateu a cabeça. Chamei logo a ambulância e ele foi levado. Fui como acompanhante a caminho do hospital, enquanto ligava para o trabalho explicando meu atraso. O velhinho levou alguns pontos, mas ficou bem. Disse-me que seu nome era Jair. Então eu pude ir embora sabendo que ele não corria nenhum risco, mas na saída do hospital fui assaltada, levaram minha carteira e documentos. Um homem tentou me ajudar a recuperá-los, mas isso fez com que os ladrões atirassem, tiro este que me acertou.

Contarei a vocês minha história:

Saí cedo para o trabalho, mais do que de costume. Aliás, muito mais. E ao encontrar um cachorro quase sendo atropelado no meio da rua, pude ter tempo de levá-lo para casa. Então voltei para pegar o ônibus. Cumprimentei Jair, o velhinho da esquina, ele cumprimentou de volta. Acenei para o motorista. Subi, paguei com dinheiro contado e fui sentar-me no fundo do ônibus. De repente, sem saber porque, gritei: "Cuidado!" e isso fez com que o motorista pisasse bruscamente no freio e virasse o volante. O carro que atravessou no sinal vermelho saiu ileso. Já o ônibus bateu em um poste, derrubando-o. Ninguém se feriu gravemente, mas eu logo desci e avistei dois homens armados em frente à porta do hospital, senti uma dor no peito e caí.
Contarei a vocês minha história:

Saí de casa correndo peguei o cachorro e corri para entregá-lo a Jair. Ele me agradeceu pelo presente de aniversário. Peguei o ônibus, paguei, e em seguida pedi que parasse, exatamente antes de um semáforo em que um carro em alta velocidade ultrapassou o sinal. Duas viaturas da polícia estavam ali. Um guarda saiu com a dele atrás do infrator de trânsito, e ao outro eu pedi que me acompanhasse até o hospital porque não estava me sentindo bem. Dois homens recuaram quando eu entrei. Fiz alguns exames e o médico desconfiou que eu tinha problemas cardíacos. Deu-me alguns remédios para tomar e fez recomendações. Eu agradeci e corri para o trabalho porque estava atrasada. Lá eu trabalhei nomalmente até ouvir o alarme de incêndio. O fogo havia tomado o primeiro andar e se espalhou rápido. Não pude sair.

Contarei a vocês minha história:

Acordei tarde e já atrasada. Saí correndo e no caminho vi uma ambulância. O velhinho da esquina estava nela, e próximo dali, um cachorro havia sido atropelado. Não perguntei nada, não tinha tempo, mas me senti mal. Logo quando estava chegando ao ponto de ônibus, o motorista não me viu e eu o perdi. Chamei um táxi porque não aguentaria esperar. No caminho, havia um terrível acidente no qual aquele ônibus que eu iria tomar, estava envolvido. Logo na frente do hospital um homem havia sido baleado.
Ao virar a rua do prédio onde trabalho, vi muita fumaça. Ele estava em chamas. Uma das mulheres que estava calçada, caiu com a mão no peito, gritando que o filho dela estava lá dentro e logo foi atendida pela ambulância que já estava ali. Caminhei, pensando em quantas tragédias me cercaram naquele dia. Parei em uma ponte e admirei o rio lá embaixo. Eu estava sem um arranhão. Subi no parapeito. "Se eu puder voar, aí quem sabe poderei ser um herói". Saltei.

segunda-feira, 17 de março de 2008

Selo

Bom, a sequência de textos terminou e pelo insucesso a que ela me levou, eu digo que irá demorar para fazer outra, se fizer.
De qualquer forma, o anúncio é que o Chave-fechadura ganhou o selo "Este blog não me sai da cabeça", do Lexotan. É legal ter leitores que visitam o blog com frequência e tal. Gostei de receber o selo, valeu!





Repassarei então para Rasurados e Estranho Mundo de Jack.

sábado, 15 de março de 2008

A existência

Essa figura me atormenta, está sempre ali e tenho visto com mais frequência. Poucas vezes sinto medo, não penso que ela possa fazer algo contra mim, talvez porque eu já não sou eu. É inconsolável essa angústia. Eu me perdi, não só me perdi, como perdi a mim, entendes o que quero dizer? É isso, a coisa da qual mais tenho medo. De estar em um corpo não familiar, em um lugar que me é estranho, com pessoas não conhecidas, sem nada em que possa me apoiar, assim, sem chão mesmo.
Não vês? Estou agonizando aqui dentro! Não existe herói particular, nessas circunstâncias devemos ser os nossos heróis, mas minha incompetência impede que eu me salve.
Tu não entendes, caro amigo, como é, porque eu não sei explicar e a tua dor eu nunca senti.
Não te conheço, tu não me conheces, é esse meu maior presente. Se não tenho passado, poderei ao menos começar agora. Não lembro de muita coisa, mas o que lembrar, guardarei como uma preciosidade. Dá-me teu apoio, sejas minha muleta, caro amigo, estranho querido, pois aleijei-me e não posso mais caminhar.
Assim fui condenada, a caminhar tão só e acorrentada, assim como tu também fostes. E é em nossa trajetória que eu mostro como eu também te sirvo, como eu te guio, mesmo estando na mais profunda incapacidade. Eu entendi quando minha hora chegou. E eu fui por vontade própria. Sabia da dor, do sofrimento, da tristeza, do fim, mas o importante é que isso fazia sentido agora. Eu nunca iria entender posteriormente como era importante essa decisão, por que aconteceu e quem decidiu.
No fim das contas não existe o próprio fim, e consequentemente, nem fim das contas.
Esperei a dor voltar, ela iria ser o meu sinal e eu estaria pronta para ela.
Não penses que já foi. Só está impedido o que tu queres.
Demorei um pouco para perceber a Existência.

quarta-feira, 12 de março de 2008

O veredicto

Quando encontrei alguém logo corri dizendo, implorando para que voltasse, porque eu não estava satisfeita, só agora eu entendia as coisas.
_Eu não fui tudo o que pude, preciso de uma segunda chance se for possível - pedi com um pouco de timidez depois de ter me humilhado implorando.
_Você tem certeza? Tem certeza de que não foi tudo o que podia? - disse o desconhecido.
_Tenho - eu disse, agora sem muita convicção.
_Pois se você pudesse voltar, teria aproveitado as chances que teve? Arriscado tudo pelos sonhos? Feito o que não teve coragem?
Pensei, por um segundo, se dizer sim pudesse me levar de volta, eu diria:
_Sim.
_Pois é o que todos dizem. Olhe pra você agora! Não tem mais nada do que tinha se acostumado, está confusa, está desamparada, sem a única coisa que nunca pôde perder, não importasse o sofrimento. E de que vale dizer que na segunda chance acertará as coisas? Agora que a chance passou e você a perdeu? Explico o porquê: Todas as decisões que tomou tinham uma razão. Se você não arriscou uma chance por algum motivo, é porque não achou que valesse a pena. Agora, é fácil dizer que se pudesse fazer de novo, arriscaria, porque não tem mais nada a perder. De que vale o risco se você deixa de arriscar?
Assim, eu compreendi, se eu pudesse recuperar a vida, não faria diferente. O medo de perder seria maior, só digo que tenho coragem porque agora eu já perdi. O estranho virou-se e desapareceu tão de repente como veio. Tudo pode desaparecer em um segundo, mas só quando se perde é possível entender a bobagem das preciosidades efêmeras.

terça-feira, 11 de março de 2008

O julgamento

E enquanto caminhava entre as lápides, pensei no que realmente sentia, porque agora, não adiantaria nada mentir para mim mesma. É bom ter essa sensação de conseguir ser sincera. Mesmo quando eu quis o mal, e desejei mal. Isso é condenável? Eu não escondi meu ódio. O importante é tê-lo vencido. Venci? Mais repulsivo não é a raiva, nem o sentimento destrutivo, mas a indiferença com que tratei aquele amigo que veio chorar sua dor, o necessitado que simplesmente ignorei, a escolha foi minha. Eu escolhi deixá-lo. Sem amor, ele nunca foi meu parente. E para com meus parentes, nunca tive amor. Quem enxerga meus semelhantes, quem colhe os frutos do plantio, quem planta? Quem chega somente na hora da colheita? Lembro da vez em que tirei proveito do outro, não me orgulho disso.
Se eu tentar me isentar das coisas, serei igualmente responsável por elas. Não adianta querer fugir, nem fingir. De nada valem as aparências quando a verdade corrói por dentro. O que é de fato sincero, determina.
Cheguei a pensar que ninguém iria vir para o meu julgamento. Não temia porque não achava motivos para isso. Minhas atitudes podiam não ter sido nobres, mas não havia feito o mal.
Não. Meu hábito de mentir... Já ofendi, esnobei, roubei, falsifiquei, feri, machuquei. Sim, eu havia feito o mal. Se me arrependesse de coração, com certeza iria ser perdoada. Como faria isso, de arrepender-me, eu não sabia. Era preciso implorar de joelhos e dizer que sentia muito?
A minha infantilidade ainda não tinha ido embora, acho que não ficamos sábios ao morrer, afinal.
No fim das contas algumas coisas simplesmente não valem a pena. Fazer o quê? Sentar e chorar? Gritar por ajuda? Pedir perdão?
Mesmo se fosse por minha imbecilidade, não adiantaria. No fim das contas, ninguém estava lá para me julgar. Ninguém me acusou, nem condenou. Eu fui o réu, fui advogada, fui promotora, testemunha e juíza. Quem julgou fui eu. E ninguém poderia ter feito me sentir mais mesquinha e egocêntrica, do que eu mesma fiz.

sexta-feira, 7 de março de 2008

A morte

Aqui jaz. É só disso que me lembro. Não sei como foi, quando, nem por que. A raiva, a impaciência e o nervosismo ainda me acompanham. E o medo, nem ao menos sei o que temo. Não sei o que deveria temer nas atuais circunstâncias. Deus ou o Diabo? Depois de todas as bobagens ditas eu não sei mais no que acreditar. Disseram que se eu não seguisse Deus, eu iria para o inferno, mas tento recordar minhas atitudes. Como saber se eu realmente segui Deus? Não fiz exatamente as coisas que o padre dizia, mas quem o nomeou dono da verdade? Estarei dizendo blasfêmias? Mas, céus, ele é uma pessoa assim como eu, estarei assim tão errada? Nada disso importa agora. Não sei onde estou. E ter medo é imbecilidade minha. Chega de agir como uma criança que necessita sempre de um adulto para ditar o certo e o errado, e punir quando erra.
O que faz de mim um boa pessoa? Do que eu tenho orgulho? Do que eu tenho vergonha? Minha nossa, nunca tenho tempo para tentar responder essas questões... Por que eu sempre tive medo de me perguntar, de me conhecer, de me descobrir? Como as pessoas podem ter medo de si mesmas? Por que acham que a ignorância é a melhor saída? Como fui patética, como fui ingênua.
Como é possível só agora eu me sentir alguém? Eu mesma! Por que não antes? Não fui sincera antes.
Angustiada e inquieta eu caminho entre as lápides enquanto penso os meus segredos.

quarta-feira, 5 de março de 2008

A epifania

A dor veio de novo. Se a dor fosse proporcional à intensidade da minha vida eu poderia dizer que me sentia mais viva do que nunca. Aquela agulha lancinante no peito. Ai, a dor. Nunca pensei que certas coisas me afetassem tanto. "Eu não sou de ferro, eu não sou indestrutível, eu não estou imune" repetia para mim mesma, enquanto andava curvada com a mão no peito, sofrendo uma pressão que nunca sentira. Por um momento pensei ser vítima de um ataque cardíaco, o que me apavorou ainda mais. Mas não. Era dor da perda, a dor da vida. Eu tive um colapso. Assustei-me porque pela primeira vez, não conseguia de forma alguma controlar meu corpo, ele tremia. Foi assim a minha primeira dor? Foi, fui eu quem ficou fraca demais para aguentá-la. Subitamente lembrei de coisas banais do passado. Nada tinha ligação até esse momento.
De tanto esperar o inesperado, nada poderia me surpreender. Chega o momento mais intenso e ele passa assim, sem deixar marcas que eu possa um dia mostrar para alguém. De tanto querer. De tanto sonhar escondido e desejar em segredo. Chegou a minha "hora da Clarice", "hora da estrela". Não foi o que eu esperava, aliás eu não esperava, e talvez por isso tenha sido tão diferente, eu não tive tempo de idealizar.
Eu soube que durante a vida inteira eu fora abençoada com a incerteza e a dúvida. O que eu via como meus tormentos eram os meus bens mais valiosos. Foi assim. Não mudei, continuei a mesma depois do choque. As coisas podem não ser o que esperamos.
Nunca entendi o que eles queriam, e sempre tive medo de decepcionar.
É isso sua epifania?
Sei. É decepcionante, mas eu não ligo.

sábado, 1 de março de 2008

O adormecer

Onde eu perdi o propósito? Onde eu deixei minhas razões? Por onde esteve meu corpo? E mais importante ainda: Minha mente? Chega, acorda disso, existem coisas a fazer, por fazer. Não há tempo para bobagens. Ninguém te dá tempo pra pensar em paz, porque é perigoso. Onde eu perdi meus princípios? Para onde levaram a minha e a sua vida?

A certa altura a gente sente que está para morrer. Algumas vezes é um choque saber que não há muito tempo, mas para mim, não foi. Como um defunto pode ter medo da morte? Eu já sabia, não adiantava tentar mudar, tudo foi banal demais para os outros que nunca conseguiriam entender as alegrias tão medíocres de sentir. As pessoas querem glória, querem fama, querem o mundo. Querem demais. Eu pude sentir o mundo, raras vezes é verdade, mas eu consegui e ninguém jamais saberá. Morrerei anonimamente, assim como tantos outros.

Percebe como sou? O segredo sempre foi não se deixar abater, mas sou humana. Já fui. E assim morrerei, fria e insensível, ninguém nunca entendeu, eu nunca deixei. Não culpo ninguém, culpo eu. Tudo interrompido, nem cheguei a ser. Não me venha com pena ou compaixão, já adormeci, não ouço mais, tudo não passa de uma espera. Quando morri e não me avisaram?

domingo, 24 de fevereiro de 2008

A ação


Chega um ponto em que vem o cansaço, das mesmas coisas que rondam todos os lugares e não têm valor algum. Seria, quem sabe, o meu sonho, destruir tudo o que existe de imprestável por aí?
Mas e se, nada for reaproveitável? Que tipo de expectativa eu posso ter em circunstâncias tão estúpidas? A solução é se conformar, é renunciar ao que você nunca achou, no mínimo, aceitável.
Destruíram seu sonho, e o que você fez a respeito? Abaixou a cabeça e compreendeu algo no que nunca encontrou sentido. "Estou mais madura agora, e participar da vida implica desistir de algumas coisas." Veja como amadureceu! Veja como cresceu!
O tempo passa e a vontade de transformar o mundo também. Não é tão fácil assim, entende. Nem ao menos provável. O poder da força de vontade não é tão poderoso assim. Chega das ingenuidades, dos discursos que já me dão nojo de ouvir. "Não desista de seus sonhos; nunca deixe de lutar; não desanime perante os obstáculos."
É fácil falar quando tudo já foi superado. É fácil zombar do sofrimento alheio, e também é fácil ridicularizar as crenças, embora seja golpe baixo...
Eu sinto muito se destruo o ânimo ou o otimismo, mas alguém tem que cumprir esse dever. Olha só o que me tornei. Nem com o horror consigo me sensibilizar. E a única coisa de bom que me resta, a única ação que posso desempenhar agora, consiste em permanecer estática.





sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

De perdas e desfeitas

Acho que não fui bem sucedida, mas pretendia escrever uma sequência de textos, que se complementariam. Os três últimos eram capítulos dessa sequência. Ao mesmo tempo em que queria fazer deles uma só história, não queria conectá-los demais de modo que pudessem fazer sentido sozinhos. Mas isso não vem ao caso. O caso é que terei que interromper a sequência para publicar estas palavras, e no momento não sei ao certo quais serão elas.
Aqui, às vezes as coisas se confudem em imaginárias e reais. Talvez seja o caso, talvez não. Isso não importa. Queria dizer o seguinte: Perder. Dei-me conta de que sou ótima em perder e só estabeleço e permaneço em compromissos pelo simples motivo de não ter um bom motivo para deixá-los. Mas isso nem sempre basta e o tempo todo eu estou pronta para perder. É assim que descrevo clinicamente minha apatia: Um instinto de autopreservação. Ninguém pode me fazer sentir completa, e ninguém pode me fazer sentir vazia.
Completa eu estou, vazia eu já sou.
De repente vejo-me ensaiando discursos e procurando desculpas para fazer o que é preciso. De alguma forma eu estive com pena de abrir mão de tudo. Tudo tem seu lado bom, tudo tem seu lado ruim. Ou são os dois ou não é nada. Por que isso me custou tanto? Era meu último laço, minha única passagem, para algo desgastante demais, para algo que me deixava infeliz e que eu não queria deixar ir embora.
Eu deixei novamente, sabia que não resistiria por muito tempo. Nunca vou ter certeza das minhas escolhas. Mas essa sou eu. Ótima em perder. Nada faz parte de mim, nada me tira pedaços. Completa eu estou, vazia eu já sou.

sábado, 16 de fevereiro de 2008

O sonho

Tudo o que nós temos é o presente, ele me dizia. Ou seja, parece que tudo escapa, mas na verdade, nada sai do lugar. Eu queria aquilo e aquilo, mas sem pressa. Queria dizer tudo o que se passa sem pudor algum, mas tenho medo do que uma hora eu possa vir a dizer. E se a gente nunca se controlasse, como poderíamos...? É tão fácil imaginar sensações fantásticas, mas é difícil fazer acontecer. É extremamente mais agradável viver de imaginação, mas a ditadura das coisas não perdoa os sonhos, muito menos os sonhadores. Então se não é possível levar a realidade repressora aos sonhos, então por que não tornar o sonho uma realidade? Como você não entendia isso antes?
Veja bem, a criança, tem tanto pela frente. Olha só o seu caminho. Consegue enxergar a direção? Consegue enxergar o fim? Tudo o que temos é o presente, ele disse. Tudo é a mesma coisa e o que não é, nunca foi. Esqueça isso. Olha só o que você tem pela frente. Vai tranquila, porque temer não adianta. Filho querido, moleque bastardo. Para alguns você foi isso, e para outros aquilo, e o seu sonho qual é? Consegue enxergar o fim? Escuta criança, você irá fazer uma viagem cansativa, vai sem medo e tente não voltar antes da hora. Está vendo o caminho? Vá por onde quiser, você está pronto. Não precisa acreditar se não quiser, mas deve ir sozinho.
No fundo, a sua busca interminável é a única responsável pela movimentação da vida, e pela sua desmotivação. E busca pela liberdade. Liberdade de quê? Não entende que essa concessão é impossível? Não é liberdade dos outros que quer, é de tudo, inclusive de você mesma. E essa corrente, você sabe, nunca irá se quebrar. Esqueça isso. O que existe é agora, e o que não é nunca foi, portanto, desligue-se disso, esqueça disso. O seu sonho qual é?

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

O despertar

Das coisas a gente esquece. Tudo começa a ser envolvido em uma neblina densa até o desaparecimento. A única coisa de que consigo me lembrar por primeiro, é a linha. A linha sendo traçada, nas coisas, no papel. Eu desenhava. Antes disso, tudo é neblina. O que me lembro é isso: desenhava. Concentrada, como se um erro, pudesse acabar com o mundo. Olhava tudo de perto. Cada traço, cada intervalo de espaço. Assim de perto, as linhas não fazem o menor sentido, e é preciso afastar-se para ver formar a imagem. A mania de olhar demais para os detalhes e perder a noção do todo deve ter sido a causa da minha dificuldade em enxergar lógica nas coisas, que veio à tona mais tarde. Ver tudo muito de perto foi a minha cegueira. Por outro lado, a audição interferia nos outros sentidos. Era como adivinhar o que viria, mas nem sempre era o que eu adivinhava. Então eu soube que existia a surpresa, aquilo que a gente erra em prever, ou aquilo que nos mostram ou nos mostramos.
Sempre soube que eu era errada, mas não tinha dúvidas sobre o que queria. E sabia também que um dia eu poderia ser eu. Assim, errada mesmo. Um dia quando eu crescer... Uma dia quando estiver forte.
O pior de todos os quereres e não poderes, é esperar que a hora de poder, chegue.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

O nascer

Demorei algum tempo para perceber que estava viva. A dor foi meu primeiro aviso. Por isso digo que devo minha vida à ela. Se não fosse pela dor, existiria como se estivesse morta.
Fui como todos foram, indefesa, frágil e fascinada. Quando se olha para as coisas como um início, há sempre o fascínio. Uma expressão, uma cor, um som, um urso de pelúcia. Em tudo existia a graça, em tudo estava o segredo do mundo. Olhos infantis tão confusos, mudos e tão sábios, que sabem ver tudo que existe lá onde não mais se vê. Mas conforme a pronúncia das palavras vai ganhando força e forma, as certezas tornam-se dúvidas, as dúvidas tornam-se mistérios, e os mistérios tornam-se indesvendáveis.
Coisas estranhas começaram a acontecer quando eu aprendi a pegar os objetos com minhas próprias mãos. Eu os sentia de forma diferente. Cada textura, cada formato, cada peso. Engraçado foi o dia em que eu descobri que eu respiro. Foi quando fiquei resfriada e de vez em quando me faltava ar, aí fui entender que eu precisava de ar, mesmo que não pudesse pegá-lo com minhas mãos.
Nunca pensava no futuro, não tinha a consciência de que ele pudesse existir. Era difícil ter a consciência até de mim mesma. Ninguém me via realmente, ninguém conseguia corresponder-se comigo de verdade. Era como se eu estivesse dentro e todos estivessem fora.
O engraçado do início da existência é que dois mundos se misturam. Dois ou mais, não sei, porque nunca pude contá-los, não sabia. Mas nunca se sabe quando se está acordado ou sonhando. E jamais se estranha as coisas, porque tudo é estranho, tudo é novo. Porém, existe um filtro, pelo qual as coisas passam à medida em que se cresce. E o que pode ser visto, é apenas aquilo que o filtro deixou passar ou que deixaram passar pelo filtro.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Filósofa destrambelhada

O ar estava úmido e fresco. A noite reinava delicada e suprema como sempre. Poucas estrelas apareciam por causa das nuvens. Pensei no que dizer, pensei no que fazer, pensei no que pensar. Nada. Chega de tudo. Cansei. Hoje não serei poética, nem melancólica, nem filosófica. Hoje serei eu. Seca, amarga, cruel. Não, também não serei cruel. Serei apenas... Apenas serei. E essa tarefa, por mais espontânea que possa soar, é demasiada árdua. Dizer a verdade também não é uma tarefa fácil, até mesmo porque a maioria das pessoas não gosta de ouvi-la. Mas é segredo. A verdade é um segredo, é um bicho astuto que no momento em que nos voltamos para vê-la, já desapareceu, ninguém a vê, ninguém a captura, ninguém sabe o que ela guarda. Esqueça tudo que já aprendeu, porque esse é o nosso objetivo na vida: aprender tudo errado, como se fosse o certo e depois desacreditar de tudo e construir novas coisas, que por sua vez serão destruídas futuramente para então, dar lugar a novas coisas. Assim vai se formando o ser mais confuso e deficiente até hoje encontrado: o humano. Olho para mim mesma, tão perdida, ótima representação da espécie. Digo a mim mesma, chega de frescura, chega de perguntas, chega de você. Eu me canso de mim mesma assim, fácil, fácil. Mas hoje eu não falarei de mim, chega de mim. Hoje vou falar da vizinha, e do motorista de ônibus. Nunca ouvi os pensamentos do motorista, o que não significa que ele não pense (a verdade não é o que a gente ouve). Já ouvi a vizinha dizer bobagens e futilidades, o que não significa que ela não tenha pensamentos mais profundos (a verdade não é SÓ o que a gente ouve). Ontem sonhei que via minha casa sendo demolida, o que não significa que quando acordei minha casa estava aos destroços (a verdade não é o que a gente vê), mas também não quer dizer que eu não possa deixar minha casa e quando voltar ela estar demolida (a verdade a gente pode não ver). É isso! A verdade acontece mesmo sem a nossa presença, mas quem garante? Quem garante que eu esteja em minha presença e não em outro lugar? Quem garante que a verdade não me engane enquanto não ouço, não vejo, não sinto? Mas quando eu não ouço, não vejo, não sinto? Será que essas coisas realmente acontecem? E se não acontecem, por que eu sinto? Porra, quebrei a promessa de não ser filosófica (as promessas têm o valor que damos à elas). Por que damos valor a determinadas coisas e a outras não? Por que alguma coisa sempre significa mais? Por que podemos fazer essas escolhas? Por que existe uma certa crueldade na tão almejada liberdade? E se ela é cruel, por que a almejam? Se a realidade nos engana, se tudo pode ser uma simples ou complexa ilusão, por que todos se importam tanto? E se tantas vezes já cheguei a conlusão de que é impossível entender as coisas, porque sou orgulhosa demais para admitir que eu sou incapaz de entender, eu continuo. Entender as formas, as cores, o que é vivo e a própria vida. Algo existe.

domingo, 13 de janeiro de 2008

terça-feira, 1 de janeiro de 2008

Quatro pedaços de papel e outras histórias

Hoje lembrei do meu sonho e acordei viva. Mas não dei atenção a força vital que amanheceu comigo. Ontem você fez escolhas, talvez não as corretas, mas foi você que as tomou. Sozinha? Tem certeza? Uma só vez eu gostaria de acordar sem mim. Sinto um peso sempre. Já fui dormir sem mim algumas vezes, mas na manhã seguinte, eu insisto em reaparecer. Quase sempre acordo morta. Mas se hoje acordei viva como sei que não é um sonho? Queria ignorar que hoje é o primeiro dia do ano, desprezo essa idéia, sempre a mesma coisa, sempre a mesma prisão. Não há saída, já disse. Por que isso? Por que o tempo? Tirano! Tirano!
A previsão. Por que eu consigo prever as coisas? Tudo parece desinteressante assim... Vivo tudo duas vezes, às vezes mais. E vem de novo e de novo. Mais uma vez eu vejo tudo de novo. Eu não tenho controle, eu não tenho equilíbrio, eu não tenho nada. Ouviu bem? Eu não tenho nada!
Só queria um lugar protegido, sem o Tirano, sem o sonho que agora eu já esqueci. Lembro que ele me mostrava o que fazer, deveria escrever. Sim! Escrever aquele livro. No sonho eu tinha o livro em mãos, eu abri, eu li, fechei. Ele estava lá, tão real, concreto, nas minhas mãos. Mas acordei e ele sumiu. Devo escrevê-lo, pensei. Mas só me lembro do título, mais nada. Acordei viva porque vi um objetivo. Uma triste conformada, uma feliz aprisionada, uma revoltada submissa, pessimista contrariada, uma morta ainda viva, não acabou ainda. Grito minha angústia, ela não passa. Chega!